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Anestesia: uma conquista da humanidade

 

  Desde tempos imemoriais o Homem vem lutando contra a dor e o sofrimento. A busca de alívio para seus padecimentos físico e mental passou, ao longo da História, por inúmeras tentativas. Na Bíblia (Gênesis, capítulo 2, versículo 21), encontramos a citação: "Mandou, pois, o Senhor Deus um profundo sono a Adão, e, enquanto ele estava dormindo, tirou uma das suas costelas e pôs carne no lugar dela". Esta é a descrição da primera anestesia da História! Lamentavelmente, logo no primeiro dia da nossa criação complicamos tudo. Perdemos o Paraíso por comportamento incorreto, em erro envolvendo Eva, uma maçã e a serpente, porém, guardamos na memória, a possibilidade de um dia recuperar aquele sono estático, no qual Adão viu-se envolto.

  Na busca desse estado de ausência de dor o Homem percorreu um longo caminho e experimentou muito métodos. Os assírios conseguiam aplacar a dor nos procedimentos cirúrgicos que praticavam, por exemplo: cirsunsisão, provocando um aumento do gás carbônico do paciente, pelo método da sufocação.

  A cirurgia e a dor atravessaram os séculos como causa e efeito uma da outra. Em 1824, Henry Hill Hickman propôs um método de abolir a dor durante as cirurgias. Consistia, em admnistrar gás carbônico e óxido nitroso (gás hilariante), nos pacientes cirúrgicos. Velpeu ridicularizou-o, dizendo que "o bisturi e a dor são inseparáveis numa sala de cirurgia". No entanto, no dia 16 de outubro de 1846, a dor nos procedimentos cirúrgicos foi final e oficialmente domada, quando William Thomas Green Morton, no Hospital Geral de Massachusetts, às 10 horas e 15 minutos da manhã, anestesiou o paciente Gilbert Abbott, tendo como cirurgião o Doutor Warren. A anestesia foi um sucesso, prescindido do trabalho dos "homens fortes", encarregados de conter fisicamente o paciente no período operatório.

  Por proposta do Dr. Oliver Wendell Holmes, médico e poeta, o novo procedimento que devolvia ao Homem o sono estático experimentado por Adão, foi denominado Anestesia. Esse vocábulo grego significa ausência de sensações.

  Morton recebeu da Academia Francesa de Medicina o título de Benfeitor da Humanidade. No dia 15 de julho de 1868, Morton foi encontrar-se com o criador do universo e autor da primeira anestedia realizada no mundo. Era um homem pobre e amargurado pelas disputas surgidas sobre a paternidade da anestesia.

  Do ponto de vista técnico, a anestesia é um estado de sono profundo e compõe-se de quatro partes fundamentais: hipnose, analgesia, relazamento muscular e atenuação dos reflexos do organismo em resposta ao trauma e ao estresse. A hipnose é o estado de sono; a analgesia é a sedação da dor cirúrgica; o relaxamento é a redução do tônus muscular, deixando o paciente flácido e propício para ter as suas cavidades abordadas pelo cirurgião e a abolição dos reflexos é a proteção conferida pela anestesia ao organismo, garantindo que os estímulos reflexos nocivos não ocorram durante um procedimento cirúrgico.

  A necessidade de ensinar Anestesia, maciçamente, nas Faculdades de Medicina, consuziu à sistematização do estudo da profundidade do sono anestésico, do grau de saúde do paciente e dos riscos inerentes a todos os procedimentos operatórios. Guedal propôs em 1938, uma escala que leva o seu nome, onde sistematizava a profundidade anestésica em quatro fases, diagnosticadas por sinais clínicos dos pacientes. Modernamente isso é feito, além do emprego do diagnóstico clínico clássico, com o auxílio de computadores e com grande precisão.

  Quanto à saúde do paciente, classificamos as pessoas em Estado Físico: I, II, III, IV e V, situação que mostra o comprometimento de casa organismo, ou seu grau de saúde. O grau I refere-se a paciente saudável, chegando ao grau V, que é um paciente gravemente doente. Obviamente, o comportamento de um e outro fente à anestesia é diferente, introduzindo-se aqui, o conceito de risco anestésico.

  Os anestesiologistas classificam os riscos, também, em cinco graus. Mesmo não existindo uma linearidade entre estado físico e risco anestésico, os pacientes mais graves e submetidos a procedimentos cirúrgicos maiores, apresentam maior probabilidade de complicações no período peri-operatório (antes, durante e logo após a cirurgia).

  Modernamente, o preparo dos médicos anestesiologistas em cursos de pós-graduação específicos de três anos, o uso de drogas quimicamente puras e seletivas e o controle das funções vitais dos pacientes com equipamentos sofisticados, conferem ao ato cirúrgico uma segurança ímpar. Desse modo, a anestesia é um procedimento médico extremamente científico e seguro, exigindo, porém, do paciente, cirurgião e anestesiologista, muita disciplina e regras de conduta bem estabelecidas. Durante uma cirurgia o paciente tem as suas funções vitais controladas ininterruptamente, não ficando nada a descoberto. Ao controlarmos, continuamente pressão arterial, pulso, tempreatura corporal, oxigenação celular, produção de gás carbônico, eletrocardiograma e todas as demais nuances clínicas, conferimos ao paciente segurança máxima nesse período operatório. Hoje podemos afirmar - paciente estado físico I ao se submeter a procedimento cirúrgico - uma ritidoplastia, por exemplo - a probabilidade estatística de apresentar qualquer complicação anestésica no período peri-operatório é de um para 20 mil casos. Relação totalmente tranquilizadora e confiável.

  A anestesia, na prática diária, pode ser geral ou regional. A geral é realizada com fármacos hipnóticos somados a analgésicos e relaxantes musculares. Na anestesia regional, empregam-se anestésicos locais.

  Anestesias regionais compreendem as anestesias locais e os bloqueios condutivos. Os bloqueios anestésicos mais comuns são a raqui-anestesia e o bloqueio peridural. O uso de materiais descartáveis nesses bloqueios minimiza a possibilidade de contaminação bacteriana ou química e confere segurança máxima a esses procedimentos.

  Tanto a anestesia geral quanto a condutiva são extemamente confiáveis, a escolha de qual técnica empregar, depende de inúmeros fatores, como por exemplo, a duração da cirurgia, a localização do procedimento, as características clínicas e psicológicas do paciente.

  A anestesia tem seu início na avaliação pré-operatória, no consultório do anestesiologista, quando nas cirurgias eletivas, ou no hospital, quando das emergências, ou de pacientes internados. Considerando que 80% dos problemas e patologias são diagnosticados na anamnese (entrevista onde o médico perscruta o passado do paciente), é importante salientar o papel da avaliação prévia do paciente como item fundamental de segurança da anestesia. Nessa avaliação, determinamos o estado físico do paciente e o risco anestésico; informamos todas as situações que possam  acrescentar do caso; selecionamos a técnica mais indicada; elegemos o método de tratamento da dor no pós-operatório; colhemos a autorização expressa para atendê-lo; combinamos nossos honorários e o mais importante, criamos um vínculo afetivo, fundamental na relação médico-paciente.

  Merece destaque, na avaliação pré-operatória, o jejum do paciente. Um dos maiores fatores de riscos é o estômago cheio. A possibilidade de o paciente vir a vomitar durante a indução da anestesia ou no final da mesma, transferindo rstos de alimentos ou suco gástrico para o pulmão é intercorrência anestésica grave. A presença de corpo estranho no pulmão determina um processo pneumônico severo (pneumonia ou pneumonite), colocando em risco a integridade do paciente e, no mínimo, prolongando sua permanência no hospital.

  O que faz o anestesiologista durante a cirurgia? Enquanto o paciente dorme zelamos por todos os aspectos da sua vida. Sua correta e mais adequada posição na mesa cirúrgica, seu pudor, a temperatura confortável do ambiente, o monitoramento continuado das suas funções fisiológicas (coração, pulmão, rim, etc.), os aspectos psicológicos e emocionais e, por fim, portar-se na sala de cirurgia como representante maior dos interesses do paciente, protegendo-o, como um ser uno e integral. Do início ao fim da cirurgia o anestesiologista está firmemente ligado ao paciente, solidário com ele, sem sair do seu lado. 

  Será a anestesia uma aventura perigosa? O medo faz parte da nossa vida e vem desde a mais tenra infância relacionado psiquicamente com a separação da mãe, nosso primeiro objeto protetor. Ao longo da vida são desenvolvidos novos tipos de medo, fundamentalmente ligados aos aspectos culturais. No consultório de anestesia os medos mais frequentemente enumerados são: despertar durante o ato cirúrgico, sentir dor e não poder se mexer, não acordar mais (morrer), a dor no pós-operatório, sentir-se totalmente dependente e impotente frente a essa situação. O medo mais frequentemente referido é o de não acordar da anestesia. Obviamente está aí inculcada a idéia de morte. O sono, o sonho e a morte caminham juntos no imaginário do homem. O medo, definido como sendo um sentimento de forte ansiedade frente ao perigo, fictício ou real, merece do anestesiologista a mesma atenção devida à dor e suas manifestações orgânicas e emocionais. O paciente deve perceber, claramente, o grau de interesse do médico anestesiologista por ele e seus temores.

  Nas cirurgias estéticas, onde dispomos de tempo para bem preparar os pacientes, outro fator de extrema importância na minimização dos riscos é a cumplicidade paciente - anestesiologista, onde nenhum dado de saúde prévia do paciente pode ser omitido. O anestesiologista deve conhecer profundamente a vida e, principalmente, o passado mórbido do paciente, para melhor e mais seguramente atendê-lo.

  Em resumo, as anestesias gerais e os bloqueios, conduzidos adequadamente em pacientes bem preparados, em ambiente cirúrgico corretamente aparelhado, são procedimentos médicos seguros e altamente confiáveis.

 

 

ARTIGO PARA O LIVRO: CIRURGIA PLÁSTICA, INFORMAÇÕES CIENTÍFICAS PARA O LEIGO, TENDO COMO EDITOR O DOUTOR NELSON HELLER.

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